Comunicação Digital - DMAD - Eduardo Henrique
quarta-feira, 31 de julho de 2013
Lousa Digital Blog: Perspectiva histórica: o computador em nossas vida...
Lousa Digital Blog: Perspectiva histórica: o computador em nossas vida...: Este vídeo foi uma dica da Martha Gabriel no Twitter
quarta-feira, 13 de março de 2013
Narrativas Transmidia
Uma proposta de narrativa
transmedia procura colocar a audiência/fã inserido no projeto por meio de
diferentes pontos de acesso, criando uma experiência interativa, imersiva e
participativa. O conteúdo deverá permitir ao espectador/fã se sentir como parte
da proposta, influenciando na elaboração e desenvolvimento das ações (da
história).
Segundo Jenkins, uma narrativa
transmedia se desenvolve através de múltiplos suportes midiáticos, contribuindo
para o entendimento e desdobramento do todo. Na narrativa transmidiática cada
produto determinado é um ponto de acesso à franquia, deve ser autônomo, para
que não seja, por exemplo, necessário ver o filme para gostar do game, e
vice-versa.
A partir dos levantamentos e dos
estudos realizados sobre a temática, considerando os pressupostos para a
definição de uma proposta na perspectiva de uma narrativa transmedia, apresento
“Tron Legacy”, lançado em 2010, que é a continuação do filme Tron, de 1982. Além
do Game “Tron Evolution”, que conta a história entre o primeiro e o segundo
filme, teve a produção de um ARG que dá indícios do enredo do segundo filme,
além de e-books que constroem o universo e mostram mais detalhes sobre a
história, o universo e os personagens.
Quanto aos princípios da
narrativa transmedia:
Potencial de
Compartilhamento X Profundidade: não se trata de uma característica forte
da produção, mas com um número considerável de fãs, a proposta de continuidade
da primeira edição, com a ampliação e diversificação dos suportes, os
resultados são relativamente positivos;
Continuidade X Multiplicidade: existe plausibilidade nos conteúdos, mas foram acrescentados versões
para os personagens, além de novos personagens, e universos paralelos para o
encadeamento e desenvolvimento da história;
Imersão x Extração: como se trata de uma franquia da
Disney, foram criados no parque temático da Flórida diversos ambientes e dispositivos
inspirados no filme, reproduzindo efeitos, ambientes e personagens. Além de
diversos produtos que pode ser adquiridos com as temáticas da produção;
Construção de Universos: são apresentadas extensões que oferecem descrições ricas do universo onde
a narrativa principal se desenvolve;
Serialidade: além
de estar dividido em duas partes principais, a franquia apresenta núcleos
narrativos no ARG e uma série de animação para a televisão, onde os autores
procuram apresentar acontecimentos entre a primeira e a segunda partes do
filme;
Subjetividade: conta com narrativas realizadas pelos personagens em dimensões fora do
ambiente principal onde a história se desenvolve;
Performance:
diversos fâs procuram espaços para realizar performances, além de muitas
manifestações na internet.
Ponderações...
Os diversos filmes de animação,
principalmente voltados para as crianças (Toy Story, Carros, A Era do Gelo,
Alvin e os esquilos, Ben 10, etc.), não são necessariamente exemplos de
narrativas transmedia, no entanto, gostaria de tratar brevemente essa questão
que está diretamente relacionada às abordagens de Jenkins sobre convergência
cultural numa perspectiva econômica.
De certa forma, acredito que a
atual geração, que nasceu na cultura
da convergência, que vivencia essa condição de narrativas que não ficam
restritas a um formato específico de meios e suportes, talvez tenham (ou terão)
dificuldades em simplesmente se verem como expectadores (no cinema, na
televisão, no computador, nos dispositivos móveis...) sem ter a possibilidade
ou oportunidade de uma “interação/imersão” com as histórias, com os personagens
e as tramas elaboradas e desenvolvidas. Existe, nesse sentido, uma relação
estreita com as argumentações de Prensky sobre o conceito de “nativos digitais”.
Trata-se de uma geração que possui a fluência desse novo contexto
sócio-técnico-cultural, o que acaba resultando em conflitos com a geração dos
“migrantes digitais” (nascidos antes da década de 1980, segundo o referido autor) por terem um tipo
de relação com a “realidade” ou com a “cultura” essencialmente intermediado pelas
tecnologias digitais. Ou seja, como nos exemplos trazidos pelos colegas para
essa atividade, a maioria das produções não ficam restritas a um suporte, a um formato (como estamos
constatando em narrativas transmidiáticas), ou são releituras/desdobramentos de
“histórias” criações e apresentadas anteriormente através de livros, revistas,
gibis, jogos, etc., ou são criações inéditas que “migram” para outras formas de
“exibição/exploração/comercialização” - livros, revistas, jogos, games,
materiais diversos para consumo (camisetas, bolas, cadernos, mochilas, etc.).
Isso será uma prática cada vez
mais intensificada por uma indústria cultural (sem querer ignorar ou sustentar
o anacronismo e/ou necessidade de novas perspectivas para o termo) ainda mais
potente e sem limites, onde a maioria das pessoas continuarão consumindo sem
perceber e, ao mesmo tempo, exigindo que seja assim? Entendo que esta questão
está relacionada com argumentações de Jenkins sobre a cultura da convergência que
amplia o poder da mídia de massa e que vivemos a busca por novas experiências
de entretenimento.
No entanto, podemos analisar por
outro ângulo. A cultura do entretenimento digital altera nossas formas de lidar
e de desenvolver certas ações, principalmente em relação às práticas já
estabelecidas e consolidadas em nossa cultura. Essas novas dinâmicas
sócio-culturais podem estar preparando as novas gerações para um “outro” mundo,
para novos procedimentos e práticas mais pertinentes diante de uma quantidade
cada vez maior de informações, contribuindo para o desenvolvimento de
competências mais adequadas para a operacionalização de dispositivos de todas
as formas e que estarão presentes em todos os lugares.
Uma questão que considero
importante é saber se e como será possível identificar o que de fato poderá
contribuir para ampliação da nossa capacidade crítica e efetivamente
participativa na construção de uma sociedade melhor.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
Cibercultura e Cultura da Convergência: por uma cultura participativa!?
Analisando
a configuração atual da nossa sociedade, é inevitável não questionar sobre as
relações e influências diretas e indiretas das tecnologias digitais nas vidas
de todos nos, sobre o nosso posicionamento e as nossas condições frente a esta
conjuntura social, denominado por alguns estudiosos de “Cibercultura”, ou seja,
frente a um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores, que se desenvolvem juntamente
com o crescimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, mas
principalmente pelo acesso e expansão da internet (LEVY, 1999).
Dispositivos e inúmeros softwares e aplicativos das
tecnologias digitais de informação e comunicação, em especial a partir da WEB
2.0, vêm influenciando e determinando (re)configurações no âmbito social e
cultural.
A sociedade da
informação é uma realidade mundial. A Internet já é uma realidade mundial,
interligando todos os países do planeta, os telefones celulares estão em franca
expansão, os serviços de governo eletrônico são implementados ao redor do
mundo, comunidades e redes sociais nascem com as ferramentas sociais da Web 2.0, formas de ativismo político e
protestos emergem utilizando as tecnologias e redes informacionais como
suporte... O mundo da cibercultura está longe de ser uma utopia, e o futuro
aponta para o desafio de uma ciberdemocracia global. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 23)
Ainda que grande parte da população não se encontre
contemplada com acesso direto e significativo aos avanços tecnológicos, nos
encontramos inseridos na “Cultura Digital”, e a elaboração de dispositivos
equitativos comprometidos com a inclusão digital da população deve representar
um aspecto chave nas políticas voltadas para o conhecimento crítico e o acesso
qualitativo às tecnologias digitais.
Lemos e Lévy (2010) ponderam sobre a atual condição
ou situação da sociedade a partir do uso e avanços da internet, assim como suas
implicações diante dos recursos e movimentos proporcionados com a Web 2.0.
Entendem que a computação social aumenta as possibilidades da Inteligência
Coletiva, que apontam para uma sociedade mais livre e democrática. No entanto,
isto implica em ações voltadas para a ampliação do acesso à população aos
dispositivos e recursos que resultaria em uma possível “evolução cultural”.
De acordo com Castells (2000) vivemos em um mundo
digital. As transformações tecnológicas estão se expandindo pela capacidade de
criar interfaces a partir de linguagens digitais. Para esse autor, o
desenvolvimento científico e tecnológico é elemento fundamental para o nosso
progresso.
Diante desse cenário, acreditamos que a evolução
contemporânea do acesso às tecnologias, da liberdade de expressão no
ciberespaço e das diversas ferramentas interativas, participativas e
colaborativas da Web, representa ou pode representar profundas possibilidades
para o efetivo desenvolvimento de uma sociedade mais crítica, democrática e
equitativa.
Para isso, é fundamental que tenhamos a compreensão
das mudanças que vivenciamos com a reconfiguração na esfera comunicacional para
que possamos perceber a irreversível necessidade de termos todos os membros da
sociedade inseridos nessa dinâmica.
O entendimento dos aspectos relacionados à
cibercultura, dos princípios que norteiam a contemporaneidade com a apropriação
das tecnologias digitais, pode representar um caminho promissor nas mudanças
que estão ocorrendo e que deverão continuar nos próximos anos. Para além de um
conhecimento puramente técnico, operacional, a consciência acerca dos
fundamentos dessa cultura digital é que poderá proporcionar uma transformação
social voltada para uma participação efetiva e qualitativa de todos.
A cibercultura tem como princípios a “liberação da
palavra”, “a conexão e a conversação mundial” e “a reconfiguração social,
cultural e política”. Está voltada para um processo de emancipação social, em
direção a uma democracia planetária (LEMOS; LÉVY, 2010).
A liberação da palavra seria a diversificação das
vozes a partir da conexão em rede, a liberdade de expressão e a livre
comunicação permitindo a troca de informação entre pessoas e comunidades, o que
resulta na “liberação da emissão”.
A transformação da
esfera midiática pela liberação da palavra se dá com o surgimento de funções
comunicativas pós-massivas que permitem a qualquer pessoa, e não apenas
empresas de comunicação, consumir,
produzir e distribuir informação sob qualquer formato em tempo real e para
qualquer lugar do mundo. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 25)
O princípio da conexão e da conversação mundial, denominado
por Lévy (1999) de “inteligência coletiva”, emerge a partir da liberação da
palavra. Esse princípio criaria uma “interconexão planetária”, resultando em manifestações
coletivas ao mesmo tempo local e global.
A partir dessas mudanças, temos a reconfiguração das
estruturas sociais, com uma maior participação das pessoas no acesso, na
produção e distribuição de conteúdos, assim como nos processos comunicacionais (LEMOS,
2003). Não se trata de substituição, mas de uma transformação com formas
diversificadas de acesso e uso dos dispositivos e recursos disponíveis com as
tecnologias digitais.
Há, portanto, uma
reconfiguração do sistema infocomunicacional global, onde, pela primeira vez,
aparecem dos sistemas em retroalimentação e conflito: os sistemas
infocomunicacionais massivo e pós-massivo. Na estrutura massiva do controle de
emissão – a industria cultural clássica – a informação flui de um polo
controlado para as massas (os receptores). Com o surgimento e expansão do
ciberespaço, esse modelo está sendo tensionado pela emergência de função pós-massiva.
Aqui a liberação da emissão não é apenas liberar a palavra no sentido de uma
produção individual, mas colocar em marcha uma produção que se estabelece como
circulação e conversação. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 26)
Os três princípios da cibercultura contribuem com
pensamentos e atitudes em um formato colaborativo, plural e aberto. A produção,
distribuição e compartilhamento de informações de forma ampla e consistente
permitirá o desenvolvimento de uma sociedade mais inteligente e politicamente
consciente. Conforme afirma Lemos (2003), podemos aproveitar a potência que
essas tecnologias nos oferecem para produzir conteúdo, para compartilhar
informação, o que permitiria enriquecer a cultura e modificar o fazer político,
principalmente em países como o Brasil.
O objetivo é utilizar o
potencial das ferramentas comunicacionais digitais para expressão livre dos
movimentos sociais e das articulações e reivindicações político-ativistas. O
que está em jogo é o alcance planetário para questões locais; a livre expressão
para publicação de informações; a colaboração e participação; a inclusão
digital. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 28)
Ou seja, a inclusão digital é um
pressuposto e um ação de relevância fundamental para as conquistas e
perspectivas que se apresentam a partir desse cenário da cibercultura, de
conhecimento, participação e envolvimento coletivo da sociedade nas
transformações políticas, culturais e sociais. O desenvolvimento efetivo de uma
cultura voltada para a participação (cultura participativa).
Este contexto e os pressupostos apontados por
Lemos a partir da Cibercultura estão diretamente relacionados com a Cultura da
Convergência desenvolvida por Jenkins. “Convergência, de acordo com Jenkins,
ocorre ´dentro dos cérebros´ dos consumidores e ´através de suas
interações sociais com os outros´. Assim
como os fluxos de informação através de diferentes canais de mídia, para fazer
nossas vidas, trabalho, fantasias, relacionamentos, e assim por diante.”
(NAVARRO. 2010)
A atual concepção de convergência para Jenkins não é simplesmente
tecnológica, mas essencialmente cultural, que vem promovendo impactos e grandes
mudanças (ou necessidades de mudanças) na estética, no conhecimento e na
educação, na política e na economia. A cultura de convergência para além de
consolidar o poder dos produtores de mídia, permite uma maior participação e
envolvimento dos “consumidores”, que cada vez mais ampliam as capacidades de
autonomia e conhecimento, exigindo novas posturas dos produtores.
Os consumidores de conteúdos de mídia, de acordo com Jenkins, são
agentes criativos que ajudam a definir a forma como os conteúdos de mídia são
utilizados. A Convergência de mídias, por permitir maior acesso à cultura em
geral, ampliou a possibilidade de participação das pessoas, no entanto, o
acesso às tecnologias ainda é desigual.
Jenkins demonstra grade preocupação com a desigualdade no acesso à
tecnologia, assim como a desigualdade nas formas de apropriação e utilização
dos recursos e dispositivos tecnológicos, o que resulta na exclusão da cultura
de participação. Por outro lado, se mostra entusiasmado com o potencial para
diversificar o conteúdo da nossa cultura e democratizar o acesso aos meios de
comunicação. O que pode representar uma expansão significativa do potencial
criativo da nossa sociedade.
Para Jenkins, toda nova tecnologia abre ricas
possibilidades para a comunicação humana e para a expansão de formas
significativas das nossas capacidades cognitivas. Mas também implica em perdas
de algumas técnicas que até então são valorosas e amplamente utilizadas. O
autor afirma que os avanços das tecnologias digitais irão promover uma drástica
expansão da nossa capacidade de criar, de aprender e de se organizar. A questão
que teremos que enfrentar é como equilibrar (conciliar) as novas habilidades
com as virtudes e práticas importantes de outros tempos.
A inteligência coletiva, segundo Jenkins, pode representar uma maneira
de avançar sobre a necessidade contemporânea de termos uma cultura de
experiências diversificadas e de múltiplas formas de conhecimento, pois é
impossível para alguém conseguir assimilar e saber sobre tudo diante do excesso
de informações das novas mídias. É fundamental que nossos estudantes tenham uma
formação voltada para o pensamento crítico, que possa aprimorar mecanismos que
permitam selecionar o que de fato é relevante e trabalhar coletivamente, de
aprender uns com os outros. Somente coletivamente será possível lidar com
problemas complexos que vão muito além das competências individuais.
Referências
CASTELLS, M. A era da informação:
economia, sociedade e cultura. In: A
Sociedade em rede. São Paulo : Paz e
Terra, 2000. v. 1
LEMOS,
A. Cibercultura: alguns pontos para
compreender a época. In LEMOS, A. & CUNHA, P. (orgs), Olhares sobre a cibercultura. Porto
Alegre: Sulina, 2003.
LEMOS, A.; LÉVY, P.
O futuro da internet: em direção a
uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
NAVARRO,
V. Sites of Convergence: An Interview for Brazillian Academics. 2010 - Disponível
em <http://br-mg5.mail.yahoo.com/neo/launch?.rand=eff36oe1nm53p#mail>
acesso em 01 de fevereiro de 2013.
JENKINS,
H. Welcome to Convergence Culture. 2006
– Disponível em <http://henryjenkins.org/2006/06/welcome_to_convergence_culture.html>
- acesso em 31 de janeiro de 2013.
domingo, 30 de dezembro de 2012
Máquinas de imagens: uma questão de linha geral
Philippe Dubois
O
que são as máquinas semióticas e como elas intermedeiam as nossas
relações sociais e as nossas representações de mundo?
As
máquinas semióticas (símbolos) são dedicadas à tarefa de representação, com
possibilidades para o processamento e produção de signos. Enquanto instrumentos
(technè) promovem a intermediação entre o homem e o mundo no processo de
construção simbólica.
De
acordo com as abordagens desenvolvidas por Dubois (2004), as máquinas,
principalmente a partir do século XIX, vão modificar nossa relação com a
realidade através de processos de captura, de prefiguração, de organização da nossa
visão (câmara escura); de produção de imagens, de inscrição (fotografia); de
visualização, recepção do objeto visual, de contemplação (cinematógrafo); de
transmissão e difusão de imagens (televisão/vídeo); de síntese, de
virtualização da imagem (imagem informática). As máquinas passaram (ainda
passam) por uma sequência espiral de evolução, interferindo decisivamente na
cadeia de produção da imagem. Essa evolução não representa simplesmente um novo
estrato suplementar em cada etapa (momento), formam um “circuito de
representação”, em especial com a informática.
“A
expressão ´novas tecnologias´ no domínio das imagens nos remete hoje a
instrumentos técnicos que vêm da informática e permitem a fabricação de objetos
visuais. Uma perspectiva histórica elementar mostra claramente, porém, que não
foi preciso esperar o advento do computador para se engendrar imagens sobre
bases tecnológicas” (p. 31).
“...
o termo technè corresponde
estritamente ao sentido aristotélico da palavra arte, que designava não as
´belas-artes´ (acepção moderna da palavra, que surge no século XVIII), mas todo
procedimento de fabricação segundo regras determinadas e resultante na produção
de objetos belos ou utilitários” (p. 32).
“A
technè é então, antes de mais nada,
uma arte do fazer humano” (p. 33).
De
acordo com Dubois (2004), “produtos tecnológicos”, compreendidos aqui como “máquinas
de imagens”, exigem, desde os registros humanos nas cavernas do período
paleolítico, dispositivos técnicos de base constituídos de instrumentos
(regras, procedimentos, materiais, construções, peças) e funcionamento
(processo, dinâmica, ação, agenciamento, jogo).
Analisando
parte da linha histórica das tecnologias da imagem, o autor faz uma abordagem
de “quatro entre as ´últimas tecnologias´ que surgiram e sucederam de dois
séculos para cá e introduziram uma dimensão ´máquinica´ crescente no seu
dispositivo, reivindicando sempre uma forma inovadora” (p. 33). São elas: a fotografia; o cinematógrafo; a televisão/vídeo; e a imagem informática.
“Cada
uma destas ´máquinas de imagem´ encarna uma tecnologia e se apresenta como uma
intervenção de certo modo radical em relação às precedentes. A técnica e a
estética nelas se imbricam, dando lugar a ambiguidades e confusões deliberadamente
cultivadas, que tentarei deslindar aqui ao máximo” (p. 33).
A Novidade como Efeito de Discurso
De
acordo com Dubois, a “novidade” associada à questão da tecnologia funciona como
um efeito de linguagem, de tanto ser alardeada em cada momento de forma
recorrente como uma “intenção revolucionária”. E que esse discurso de inovação
se apoia numa retórica e numa ideologia.
“...
todos esses discursos do novo traduzem um hiato completo entre, de um lado, uma
ideologia voluntarista da ruptura franca e do progresso cego (que deriva do
mais puro intencionalismo) e, de outro, uma realidade dos objetos tecnológicos,
que procede do pragmatismo mais elementar. Esse hiato fica patente na
constatação de que cada tecnologia produz, na realidade dos fatos, imagens que
tendem a funcionar esteticamente quase ao contrário do que pretendem os
discursos das intenções (tecnicamente ´revolucionários´)” (p. 35).
O
autor apresenta “três fios” que permitem uma abordagem mais precisa de três
problemáticas da “estética de representação”, o que possibilita a observação
como as diferentes máquinas de imagens das últimas tecnologias tecem variações
numa modulação continua de uma a outra. Os eixos, numa concepção “dialética
conceitual entre dois polos antagônicos”, são: “maquinismo-humanismo”, “semelhança-dessemelhança”
e “materialismo-imaterialidade da imagem” (p. 35-36).
A questão maquinismo-humanismo (o
lugar do Real e do Sujeito)
“...
a máquina, neste estágio (pensemos na câmara escura, por exemplo), é uma máquina
puramente óptica, de pré-figuração, e intervém antes da constituição
propriamente dita da imagem (da qual funciona como uma condição previa)” (p.
36).
“São
como próteses para o olho, não são operadores de inscrição. Esta, que produz
propriamente a imagem, continua se exercendo unicamente pela intervenção
gestual do pintor ou desenhista” (p. 37).
“...
o que aparece claramente também desde este estágio, é que as máquinas, enquanto
instrumento (technè), são intermediários que vêm se inserir entre o homem e o
mundo no sistema de construção simbólica que é o princípio mesmo da
representação” (p. 38).
“...
o advento da imagem
fotográfica, no início do século XIX, vai dispor em novo patamar a
maquinização da figura, estendendo sua intervenção à segunda fase do processo.
A máquina, agora, não se limitará a captar, prefigurar ou organizar a visão
(esta fase já está assegurada e não se perderá tão cedo, a câmara escura permanecerá
a base de três dos quatro outros sistemas), mas produzirá, justamente, a
inscrição propriamente dita.” (p. 38).
“A
´máquina´ intervém aqui, portanto, no coração mesmo do processo de constituição
da imagem, que aparece assim como representação quase ´automática´, ´objetiva´,
´sine manu facta´ (acheiro-poiète). O gesto humano passa a ser um gesto mais de
condução da máquina do que de figuração direta” (p. 38).
“...
à esta tendência à ´desumanização´ do dispositivo de fabricação das imagens,
vai se atribuir cada vez mais uma dimensão axiológica, vendo-se nela uma ´perda
de artisticidade´” (p. 42).
“...
a evolução do maquinico (a história das tecnologias) e o problema do humanismo
ou da artisticidade (questão estética) são duas coisas bem diferentes: o
desenvolvimento daquela não tem necessariamente como correlato a regressão
destes” (p. 43).
“...
com o surgimento do cinematógrafo
no final do século XIX, o avanço do maquinismo cumpre uma etapa suplementar:
desta vez, é uma terceira fase do dispositivo que se tornará ´máquinico´: a
fase da visualização. Uma máquina de ordem três vem assim se acrescentar às
duas outras. (...) uma máquina de recepção do objeto visual: com efeito, só se
pode ver as imagens do cinema por intermédio das máquinas, isto é, no e pelo
fenômeno da projeção” (p. 43).
“...
se o maquinismo ganha nela um estrato a mais no sistema geral das imagens, isto
não resulta numa perda acentuada de aura ou artisticidade. Pelo contrário,
podemos mesmo considerar que a maquinaria cinematográfica é em seu conjunto
produtora de imaginário (dai provavelmente a singularidade exemplar e a força
incomparável do cinema). (...) Sua maquinaria é não só produtora de imagens
como também geradora de afetos, e dotada de um fantástico poder sobre o
imaginário dos espectadores. A máquina do cinema reintroduz assim o Sujeito na
imagem, mas desta vez do lado do espectador e do seu investimento imaginário,
não do lado da assinatura do artista” (p. 44).
“...
vemos assim que a questão da relação maquinismo-humanismo é menos histórica na
progressão contínua (cada vez mais máquina para menos humanidade) do que
filosófica na tensão dialética que sempre varia, mas não linearmente. (,,,) A
dialética entre estes dois polos, sempre elástica, constitui o aspecto
propriamente inventivo dos dispositivos, em que o estético e o tecnológico
podem se encontrar” (p. 45).
“...
em menos de um século, toda a cadeia de produção da imagem (pré-visão,
inscrição, pós-contemplação) se tornou assim progressivamente ´máquinica´, cada
nova máquina não suprimindo as precedentes (estamos longe da lógica da tábua
rasa), mas vindo se acrescentar a elas, como um estrato tecnológico
suplementar, como uma volta a mais numa espiral” (p. 45).
A
indústria tecnológica ganhará cada vez mais terreno...
“Com
o advento e a instalação progressiva da televisão e depois do vídeo (que se estende por muito tempo,
ocupando praticamente toda a primeira metade do século XX), uma espécie de
quarto estrato máquinico vem se superpor aos três outros. O que especifica a
maquinaria televisual e a transmissão. Uma transmissão a distância, ao vivo e
multiplicada” (p. 46).
“A
imagens televisual não é algo que se possua como um objeto pessoal nem algo que
se projete num espaço fechado (como a ´bolha´ da sala escura do cinema); ela é
transmitida para todo lugar ao mesmo tempo. (...) A imagem-tela ao vivo da
televisão, que não tem mais nada de souvenir (pois não tem passado), agora
viaja, circula, se propaga, sempre no presente, onde quer que seja. Ela
transita, passa por diversas transformações, flui como um rio sem fim” (p. 46).
“...
a televisão, no fundo, transformou o espectador – que no anonimato da sala
escura tinha ao menos uma forte identidade imaginária – numa espécie de
fantasma indiferenciado, de tal modo disseminado na luz do mundo que se tornou
totalmente transparente e invisível, e deixou de existir como tal. Agora, ele é
no máximo um número, um alvo, uma taxa de audiência: uma onipresença fictícia,
sem corpo, sem identidade e sem consciência (...) não há mais relação
intensiva, só nos resta o extensivo, não há mais Comunhão, só nos resta a
Comunicação” (p. 46-47).
“Enfim,
depois das maquinarias de projeção e de transmissão, que expandiram no tempo e
no espaço a visualização e a difusão da imagem, uma ´última tecnologia´ veio
completar a panóplia neste último quarto do século XX, e seu impacto histórico
parece (pelo menos) tão importante quanto o das invenções precedentes. Trata-se
da imagem informática, também
chamada de imagem de
síntese, infografia, imagem digital, virtual, etc. A maquinaria que se
introduz aqui é extrema. (...) com a imagem informática, pode-se dizer que é o
próprio ´Real´ (o referente originário) que se torna maquínico, pois é gerado
por computador. (...) Não há mais necessidade destes instrumentos de captação e
reprodução, pois de agora em diante o próprio objeto a se ´representar´
pertence à ordem das máquinas. Ele é gerado pelo programa de computador, e não
existe fora dele. É o programa que o cria, forja e modela o seu gosto. È uma
máquina de ordem cinco (que retoma as outras no seu pondo de origem), não de
reprodução, mas de concepção. Até então, os outros sistemas pressupunham todos
a existência de um Real em si e para si, exterior e prévio, que cabia às
máquinas de imagem reproduzir. Com a imagerie
informática, isto não é mais necessário: a própria máquina pode produzir seu
´Real´, que é a sua imagem mesma. Dito de outro modo, os dois extremos do
processo (o objeto e a imagem, a fonte e o resultado) se encontram aqui para se
tornarem uma coisa só, provocando uma confusão por colisão, uma catástrofe (de
acordo com René Thom e sua teoria da catástrofe)” (p. 47).
“O
próprio mundo se tornou máquinico, isto é, imagem, como numa espiral insana. A
realidade passa a ser chamada de ´virtual´” (p. 48).
“Não
só não há mais ´Real` (nem ´representação´ portanto), como também podemos dizer
que não haja mais imagens. A chamada imagem de síntese, em certo sentido, não
existe: a síntese é apenas um conjunto possível (o programa) cuja atualização
visual é um simples acidente, sem objeto real. (...) a síntese não seria assim
nada mais do que sonham todos os fotógrafos à espera da Revelação. A única
diferença é que, agora, esta imagem virtual não passa de uma das soluções
pré-vistas do programa” (p. 48-49).
A questão semelhança-dessemelhança
“Uma
outra perspectiva de conjunto sobre a história das máquinas de imagem, uma
outra ´linha geral´ que eu gostaria de seguir é a da velha questão da
semelhança (e seu reverso: a desemelhança). (...) assim como, à medida que o
sistema de imagens se sucediam no tempo, o maquinismo parecia crescer em
detrimento da presença e das
intervenções humanas (...) poderíamos pensar, à primeira vista, que o
encadeamento das tecnologias da imagem caminhava unilateralmente em um aumento
constante do grau de analogia e, portanto, das capacidades de reprodução mimética
do mundo, como se cada invenção técnica pretendesse necessariamente aumentar a
impressão de realidade da representação. Veremos porem que esta aparente teleologia também se revela enganosa e que, de
fato, a cada momento da história dos dispositivos, a tensão dialética entre
semelhança e dessemelhança reaparece – e independentemente dos dados
tecnológicos, pois a questão em jogo é estética” (p. 49).
“Com
o desenvolvimento espetacular da imagem fotográfica, o ganho de realismo na imagem aparecerá como
imediato e todos o proclamarão. (...) À comodidade e à prontidão do
procedimento, a fotografia acrescentaria uma terceira vantagem, a ´exatidão´. Precisão
dos detalhes, nitidez dos contornos, gradação fiel das cores e, sobretudo,
´verdade das formas´. Em última análise, o ganho de analogia trazido pela
fotografia seria de ordem não só óptica, como também (e mais essencialmente)
ontológica. Seria uma questão de verdade da imagem” (p. 50).
Houve
uma transição de um efeito de realismo, das pinturas, para um efeito de
realidade, da fotografia “(da ordem da estética da mimese). Se o primeiro
encara os dados em termos de semelhanças, o segundo o faz em termos de
existência e de essência. E paradoxalmente, o deslocamento que assim se opera
permite concluir que na postura ontológico-fenomenológica, a semelhança deixa
de ser um critério pertinente...” (p.
51).
“Quando
o cinematógrafo se
instala, um novo ´suplemento de analogia´ imediatamente surge: o realismo
cinematográfico acrescenta ao
realismo do vestígio fotoquímico o da reprodução do movimento, que é um
realismo do tempo” (...) Mesmo que sob uma forma ilusória, que nos engana com
nosso próprio consentimento e prazer, a mimese fílmica expõe o mundo em sua duração
e em seus movimentos (p. 51-52).
“...
com o circuito eletrônico da imagem
do vídeo, não só vemos a imagem do mundo em movimento (tal como ele se
move em sua duração própria), como também a vemos ao vivo. É a mimese do ´tempo
real´: o tempo eletrônico da imagem é (sincronizado com) o tempo do Real. O
realismo da simultaneidade vem se acrescentar ao do movimento para formar uma
imagem que nos parece cada vez mais próxima e decalcada no real, a ponto de
gerar por vezes confusão” (p. 52).
“Tempo
durativo, tempo real, tempo contínuo, a imagem-movimento do cinema e da
televisão/vídeo parece assim levar o mimetismo e a reprodução do mundo ao seu
extremo, até o absurdo...” (p. 53).
Com
a imagem informática:
“A partir do momento em que a máquina deixa de reproduzir para gerar seu
próprio real (que é a sua imagem mesma), é claro que a relação de semelhança
perde um pouco o sentido, pois já não há mais representação nem referente.
(...) não é mais a imagem que imita do mundo, é o ´real´ que passa a se assemelhar
à imagem, Na verdade, trata-se de uma espiral infinita, uma analogia circular,
como uma serpente que morde a própria cauda” (p. 53).
“É
provavelmente por isso que a maior parte das imagens de síntese, apesar de
poder inventar figuras visuais totalmente inéditas e nunca vistas, esforça-se
ao contrário para reproduzir imagens já disponíveis, objetos já conhecido do
mundo. Elas apostam na semelhança (mesmo que falseada ou forçada), não tanto
para mostrar que podem ´fazer tudo´, mas porque não sabem mais o que fazer (o
que seja diferente) (p. 53).
“...
a questão da semelhança não é uma questão técnica, mas estéticas. Assim, se o
analogismo encontrou nos diversos sistemas de representação anteriormente
evocados um terreno aparentemente propício à sua expansão, cabe notar porem que
isto concerne apenas a certa forma de figuração – parcial, ainda que
semelhante. (...) Toda representação implica sempre, de uma maneira ou de
outra, uma dosagem entre semelhança e dessemelhança. E a história estética das
máquinas de imagens, esse traçado de linhas gerais, é feita de sutis
equilíbrios entre esses dados” (p. 54).
“...
a dimensão mimética da imagem corresponde a um problema de ordem estética, e não
é sobredeterminada pelo dispositivo tecnológico em si mesmo. Todo dispositivo
tecnológico pode, com seus próprios meios, jogar com a dialética entre
semelhança e dessemelhança, analogia e desfiguração, forma e informe. A bem da
verdade, é exatamente este jogo diferencial e modulável que a condição da
verdadeira invenção em matéria de imagem: a invenção essencial é sempre
estética e nunca ética” (p. 57).
Podemos
dizer que a pintura, a fotografia, o cinema, a televisão são suplementos de
analogia. Assim como a informática, mas esta vai além.
A questão
materialidade-imaterialidade
“...
de início poderíamos ver aqui também uma progressão quase contínua e
unilateral, na sucessão dos sistemas, de uma desmaterialização crescente da
imagem, que se tornaria cada vez mais ´objetal´ e mais ´virtual´. (...) Veremos,
porem, mais uma vez que este esquema teleológico é extremamente redutor e que
devemos absolutamente dialetizá-lo, evitando a confusão entre os terrenos
estéticos e tecnológicos. (...) a imagem da pintura é, entre as que nos ocupam aqui, aquela cuja
materialidade é mais diretamente sensível. (...) Para que quer que tenha não só
visto, mas também tocado um tela com a mão, sentido sua espessura e sua
consistência, sua lisura ou sua rugosidade, não há dúvida: a pintura atinge um
extremo de materialidade concreta, tátil, literalmente papável. (...)
Comparativamente, a imagem
fotográfica, objeto múltiplo ou ao menos reprodutível, possui certamente
menos relevo e menos corpo. Sua tactilidade é uma questão não tanto de material
figural quanto de objectualidade figurativa. (...) a foto é um objeto físico,
que pode pegar nas mãos, apalpar, triturar, carregar, dar, esconder, roubar,
colecionar, tocar, acariciar, rasgar, queimar, etc. Não raro, existe mesmo uma
certa intensidade fetichista nos usos particulares que se pode fazer deste
objeto, frequentemente pequeno, pessoal, íntimo, que possuímos e que nos obseda”
(p. 60-61).
“É
com o cinema que
este caráter ´objetal´ da imagem vai se atenuar claramente, até quase
desvanecer. Com efeito, a imagem cinematográfica pode ser considerada
duplamente imaterial: de um lado, enquanto imagem refletida; de outro, enquanto
imagem projetada. (...) podemos até tocar ou atingir a matéria da tela
(rasgá-la, manchá-la, cobri-la, arrancá-la, colori-la...), nem por isso
conseguiremos atingir a imagem, que permanece, para além de seu suporte
material, uma entidade fisicamente distinta, e inacessível às mãos do
espectador” (p. 61-62).
A
segunda impalpabilidade da imagem cinematográfica é referente á projeção. “... a
imagem que o espectador crê ver consiste não apenas num reflexo, como também
numa ilusão perceptiva produzida pelo desenrolar da película a 24 imagens por
segundo. O movimento representado (de um corpo, um objeto, etc.) , tal como o vemos na tela, não existe efetivamente
em nenhuma imagem real. A imagem-movimento é uma espécie de ficção que só
existe para nossos olhos e nosso cérebro. Fora daí, ela não é visível – é uma imagem
tão imaginada quanto vista, tão subjetiva quanto objetiva. No fundo, a imagem
de cinema não existe enquanto objeto ou matéria” (p. 62-63).
“Com
a imagem da tela catódica (da televisão e do vídeo), este processo de desmaterialização parece se acentuar
ainda mais, e de maneira muito clara. Se a imagem do cinema pode ser dita
duplamente imaterial quando a observamos na tela, o espectador não deixa de
saber que, na sua base (isto é, no projetor e na cabine), existe uma imagem
prévia, ela sim dotada de imaterialidade: o filme-película. (...) Com a imagem
eletrônica da televisão e do vídeo, que é também uma imagem-movimento que passa
numa tela, esta realidade ´objetal´ de uma imagem material, que seria visível
na sua base, desapareceu. Não existe mais imagem-fonte. Não há mais nada pra se
ver que seja material (paradoxo de algo intitulado justamente vídeo – ´eu vejo´)”
(p. 63).
“... enquanto o cinema ainda dispunha, em sua
base, do elementar fotograma (sua imagem de base ainda era uma imagem), o vídeo
não tem nada a oferecer como unidade mínima visível além do ponto de varredura
da trama – algo que não pode ser imagem e que nem se quer existe como objeto.
Desse modo, a imagem de vídeo não existe como objeto. Desse modo, a imagem de
vídeo não existe no espaço, mas apenas no tempo. (...) Sem corpo nem
consistência, a imagem eletrônica só serve, poderíamos dizer, para ser
transmitida” (p. 64).
“...
com os sistemas de imagens ligados à informática e produzidos por computador, o processo de
desmaterialização parece atingir seu ponto extremo. Em primeiro lugar, enquanto
imagem visualizável numa tela, a imagem de computador é comparável à imagem
eletrônica do vídeo (tela fosforescente, varredura de uma trama por um feixe de
elétrons etc.). (...) Além disso, antes deste lugar de visualização final que é
a máquina da tela, a imagem informática é, como sabemos, uma imagem puramente
virtual. Ela se limita a atualizar uma possibilidade de um programa matemático,
e se reduz em última análise a um sinal, nem mesmo analógico, mas numérico, ou
seja, a uma sequência de algarismos, a uma série de algoritmos. Estamos longe
da material-imagem da pintura, do objeto-fetiche da fotografia, e mesmo da
imagem-sonho do cinema que vem de um fotograma tamgível. A imagem informática é
menos uma imagem que uma abstração. Nem mesmo uma visão do espírito, mas do
produto de um cálculo” (p. 64-65).
“Daí
provavelmente, como um reflexo compensatório, o desenvolvimento particular neste
domínio de tudo que concerne à reconstituição de efeitos de materialidade. Esta
parece fazer tanta falta em informática que acaba provocando uma espécie de
hipertrofia do tato.” O autor cita então: o controle remoto; o mouse; o teclado; as “telas táteis”.
(...) Foi sobretudo nas pesquisas acerca da chamada ´realidade virtual´ que se
afirmou esta corrida ruma a uma (falsa) materialidade do tato.” Os capacetes de
visão; luvas de dados; e sensores.
“É
o triunfo da simulação, em que a impressão de realidade dá lugar a impressão da
presença, e o usuário experimente a simulação como um real. Neste universo, não
só a imagem perdeu o corpo, como também o próprio real, inteiro, parece ter-se
volatilizado, dissolvido, descorporificado numa total abstração sensorial” (p.
66).
“Hipertrofia
do ver e do tocar, por parte de um sistema de representação tecnológica que
carece cruelmente de ambos, por ter dado as costas ao Real. As telas se
acumularam a tal ponte que apagaram o mundo. Elas nos tornaram cegos pensando
que poderiam nos fazer ver tudo. Elas nos tornaram insensíveis pensando que
poderiam nos fazer sentir tudo” (p. 67).
DUBOIS,
Philippe. Máquinas de imagens: uma questão de linha geral. In: DUBOIS, Philippe
Cinema, Video, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Págs. 31 – 67.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Culturas e Artes do Pós-Humano
Lúcia Santaella
1.
Qual
é a relação entre a seguinte passagem do texto de Santaella e o conceito de
arte tecnológica exposto no texto de Martin Heidegger “The question concerning
technology”?
“Nessa
medida, a arte tecnológica se dá quando o artista produz sua obra através da
mediação de dispositivos maquínicos, dispositivos estes que materializam um
conhecimento científico, isto é, que já têm uma certa inteligência
corporificada neles mesmos.”
A
diferença apresentada por Heidegger entre a técnica pré-industrial e a técnica
moderna, também entendida como tecnologia, está na presença do conhecimento
científico nesta última. Ou seja, a tecnologia está fundamentada na ciência
moderna, tem como base os avanços das ciências originários no século XVII.
Dessa forma, o desvelamento da verdade (poiesis) como uma forma de existência
do homem no mundo potencializada pela técnica, apresenta-se, após a revolução
industrial, com base no conhecimento científico, na capacidade de ampliação da
ação e produção do homem.
A
arte tecnológica ocorre a partir da fusão da técnica com a ciência. Conforme a
passagem do texto de Santaella, e considerando a afirmação de Machado sobre as
relações cada vez mais estreitas entre imaginação artística, investigação
científica e invenção tecno-industrial, podemos inferir que a partir do momento
em que o artista compreende e busca amplificar a “inteligência corporificada” atribuída
por Santaella aos dispositivos máquinicos, que são utilizados nos processos de
criação (elaboração e produção) artística, a arte pode ser entendida como uma
possível saída do processo de “Gestell”.
“(...) a arte produzida no
coração das mídias e das tecnologias colocam os artistas no centro das
engrenagens de poder, ao mesmo tempo em que afetam diretamente os modos de
produzir e consumir, de comunicar e controlar da sociedade como um todo. Aquele
que hoje se propõem exercitar o imaginário a partir de instrumentos, processos
e suportes colocados pelas tecnologias de ponta devem estar preparados para
enfrentar as regras de mercado, as instituições de controle e gerenciamento de
recursos; devem também saber exatamente até onde podem ceder ou abrir mão de
sua liberdade, sem comprometer a radicalidade de suas propostas” (MACHADO,
1993, p. 32).
Heidegger
indaga sobre a importância ou possibilidade de não tratarmos a técnica como
mero meio, alertando para o fato de que não está errado tratá-la como
determinação instrumental, mas ainda que seja correta a determinação
instrumental da técnica, isso não nos mostra sua essência - ou a verdade.
domingo, 23 de dezembro de 2012
Máquina e Imaginário
Arlindo Machado
1. O que o autor define como as estéticas
informacionais?
Visavam construir modelos matemáticos rigorosos,
capazes de avaliar a informação estética contida num objetivo dotado de
qualidades artísticas. Tinha como meta aplicar à produção artística princípios
formulados na confluência da teoria da informação com a cibernética.
2.
Em que
sentido o autor aplica o mesmo raciocínio de Walter Benjamin sobre a fotografia
e o cinema em relação à arte produzida com recursos tecnológicos?
Que o importante é perceber que a existência das obras
a partir do uso dos novos recursos tecnológicos colocam em crise os conceitos
tradicionais e anteriores sobre o fenômeno artístico, exigindo novas
formulações diante das transformações que estão ocorrendo, de uma nova situação.
“As novas
tecnologias introduzem diferentes problemas de representação, abalam antigas
certezas no plano epistemológico e exigem a reformulação de conceitos
estéticos” (p. 24).
3.
Comente as
seguintes passagens a respeito da relação da arte com a tecnologia:
“Podemos
considerar a relação da arte com a tecnologia como um casamento marcado
por períodos de harmonia e de crises conjugais” (P. 24).
O
autor faz referências à concepção grega da arte vinculada à palavra téchne, de
tecnologia, que representa qualquer prática produtiva sem distinção entre arte
e técnica, o que perdurou até o período renascentista. As atividades artísticas estavam
estreitamente relacionadas aos avanços científicos no Renascimento. Diversos
artistas adotavam e desenvolviam princípios com base na matemática e na física,
por exemplo, para realizarem seus trabalhos, que não ficavam restritos a
pinturas e esculturas. “... a máquina torna-se modelo conceitual para explicar
e representar o universo físico natural” (p. 25).
O
autor argumenta que a arte do século XX encontra-se em sintonia com os saberes
e questões do seu tempo, assim como no período da arte grega, fazendo
referências a diversos movimentos artísticos do início do século passado.
Machado
afirma que: “Exposições recentes dedicadas ao tema das relações entre arte e
tecnologia (...) demonstraram que se torna cada vez mais difícil fazer uma
distinção categórica entre objetos originários da imaginação artística, da
investigação científica e da invenção tecno-industrial” (p. 25).
E
acrescenta apontando para o fato de que importantes centros de pesquisa
estética na contemporaneidade são localizados em institutos de pesquisa
tecnológica ou científica.
No
entanto, o “divorcio” ocorreu no Romantismo, com os conceitos de genialidade
individual e o papel do imaginário na arte. A partir desse conflito a arte
torna-se autônoma e institucionalizada, o que deu início ao processo de especialização
durante o século XVIII e foi fundamental para definir o novo “contrato
matrimonial entre arte e tecnologia”, onde passam a ser partes distintas. A
adoção de uma “postura sem submissão e sem papeis fixados na relação” foi a
grande contribuição do romantismo para a arte em relação às tecnologias.
“Toda arte produzida no coração
da tecnologia vive, portanto, um paradoxo e deve não propriamente
resolver essa contradição, mas pô-la a trabalhar como um elemento formativo” (p.
28).
A arte não precisa e não pode
ficar sujeita a procedimentos de padronização, de ordenamentos precisos e sem
improvisação. “A arte é indiferente a qualquer tecnologia”, se alimenta e se
realiza em processos de liberdade do imaginário, de certo grau de
imprevisibilidade e ludicidade, de muita criatividade e autenticidade.
“(...) a arte produzida no
coração das mídias e das tecnologias colocam os artistas no centro das
engrenagens de poder, ao mesmo tempo em que afetam diretamente os modos de
produzir e consumir, de comunicar e controlar da sociedade como um todo. Aquele
que hoje se propõem exercitar o imaginário a partir de instrumentos, processos
e suportes colocados pelas tecnologias de ponta devem estar preparados para
enfrentar as regras de mercado, as instituições de controle e gerenciamento de recursos;
devem também saber exatamente até onde podem ceder ou abrir mão de sua
liberdade, sem comprometer a radicalidade de suas propostas. Em contrapartida,
sua arte, longe de se confinar em museus, galerias ou salas de concerto, se fará
penetrar em todos os lugares, difundindo-se por ondas eletromagnéticas ou por
cabos telefônicos e ampliando ao infinito através dos satélites de comunicação.
Pode-se dizer que essa arte tende a perder em concentração, estilo e
refinamento, o que, por outro lado, ganha em amplitude, penetração e alcance
social.” (p. 32)
4. Comente o pensamento de Villém Flusser sobre o
papel do artista na era das máquinas que foi exposto pelo autor:
O termo “funcionário da transmissão”,
usado por Flusser sobre o papel do artista na “era da automação”, de certa
forma, e como também está sendo tratado no texto, não fica restrito a esse período
de desenvolvimento e apropriações intensas das tecnologias. No momento em que o
artista é “contratado” ou recebe uma encomenda, por exemplo, na maioria das
vezes sua criação fica restrita a um propósito ou contexto específico, são
impostas limitações à sua criação. Ainda assim o artista lança mão de sua
autonomia e de sua capacidade criadora e técnica para se expressar, mesmo
diante dessas condições. E essas limitações que podem ser diversas, por exemplo, tanto em
relação aos instrumentos ou recursos disponíveis como em relação ao tema ou condições
específicas, não impossibilitam o trabalho artístico.
Acredito que os artistas, e em grande medida os
cientistas, sempre se apresentaram como os responsáveis (direta ou
indiretamente) por vislumbrar novas possibilidades ou apontar novos caminhos.
Desenvolvem seus trabalhos considerando não somente as perspectivas que se
apresentam de forma objetiva e que estão postas ou impostas, buscam o que está
além, o devir. Nesse sentido, independente do contexto atual, de certa
necessidade de utilização de recursos tecnológicos e das condições impostas pelo
sistema complexo de desenvolvimento no processo de criação artístico, o artista
continua sendo (talvez de forma mais acentuada e em condições mais adversas) fundamental
no processo de transgressão e exercício de liberdade, de vislumbrar novas
possibilidades.
5.
A partir da
leitura da seguinte passagem, discuta como o paradoxo mencionado na questão 3
está relacionado com o papel do artista.
“Sem
a intervenção desse imaginário radical, as máquinas sucumbem nas mãos dos
funcionários da produção, que não fazem senão preenchê-las com “conteúdos” de
mídias anteriores, repetindo em linguagens novas soluções já cristalizadas em
linguagens mais antigas” (p.28).
Que diante dessas mudanças, da
intensificação e mesmo imposição no uso das novas tecnologias, é fundamental o
desenvolvimento de projetos culturais e estéticos que ampliem as possibilidades
dos novos meios para propor e enriquecer o universo cultural. Não podemos ficar
restritos ou submissos aos aspectos simplesmente técnicos dos equipamentos,
assim como das constantes “novas” descobertas tecnológicas. E os artistas podem
ser decisivos nos processos de criação e novas formas de percepção do mundo a
partir desses avanços (ainda que sujeitos às imposições da indústria, dos
dispositivos tecnológicos e do mercado).
6.
O que seriam as máquinas semióticas defendidas
pelo autor?
São máquinas dedicadas á
tarefa de representação.
7.
O autor
aponta pelo menos duas limitações que comprometem a argumentação dos críticos
da fusão arte/tecnologia. (p.36) Explique cada uma delas:
Primeira: a crítica aos
determinismos da máquina pode ser aplicada a qualquer processo cultural de
qualquer tempo. Os artistas sempre estiveram sujeitos, em certa medida, às
determinações de sua matéria e às possibilidades de uso de seus instrumentos de
trabalho.
Segunda: nem o mais fechado
dos sistemas simbólicos pode ser reduzido à medida e determinações de
possibilidades. As limitações de manipulabilidades são constatações teóricas,
que podem na prática ser expandidas. A imaginação do homem, que cria,
desenvolve e usa as máquinas, jamais será passível de restrições ou poderá ser
quantificada.
8.
Explique as
mudanças ocorridas com a arte tecnológica no que diz respeito ao papel
desempenhado pelo autor na criação artística (p.33-44).
As
máquinas desempenham um papel fundamental na atividade simbólica do homem
contemporâneo, que pode ser mais ampla que as formas de utilização normalmente
praticadas.
A
evolução técnica não pode ser entendida (ou vista) simplesmente como redutora
do campo da criatividade estética e que a máquina (e seus construtores) impõem
limites intransponíveis à liberdade de criação artística. Existem, em grande
quantidade, os “apertadores de botão” ou “funcionários da transmissão”, que não
fazem mais que cumprir e celebrar as promessas das máquinas e as finalidades do
sistema industrial. Que os “produtos” desses supostos “artistas” são frutos muito
mais das tecnologias das máquinas e dos processos produtivos do que do talento
e da capacidade criadora.
No entanto, não se pode
afirmar que o artista está condenado ás imposições e limitações das tecnologias.
“A questão principal, enfim,
não é saber se o artista se torna menos ou mais livre, menos ou mais criativo
trabalhando no coração das máquinas, mas se ele é capaz de recolocar as
questões da liberdade e da criatividade no contexto de uma sociedade cada vez
mais informatizada, cada vez mais imersa nas redes de telecomunicações e cada
vez mais determinada pelas representações que faz de si mesmo através da
indústria cultural” (p. 38-39).
9.
Comente as
mudanças no estatuto do receptor com o surgimento da arte tecnológica a partir
da seguinte passagem:
“A recepção é, portanto incorporada ao
circuito produtivo como um mecanismo de diálogo, responsável pela consistência
do produto final em cada uma de suas infinitas manifestações” (p. 40).
Talvez a obra de arte de todos
os tempos tivesse como condição subjacente não somente a criação artística
individual, mas uma operação dialógica que participam diversos agentes e
fatores, e que, de certa forma, o envolvimento dos “receptores de produtos culturais”, ou, de forma talvez inadequada, dos
espectadores, sempre foi parte integrante e fundamental para a manifestação
artística. Um fator de grande relevância nos artefatos artísticos provenientes
dos recursos tecnológicos na contemporaneidade é, sem dúvida, o receptor. “Componente”
incluído no processo de produção artística para a efetiva “conclusão” (ou
execução e realização) da obra, ou seja, a figura do espectador passivo e
observador dá lugar ao “espectador-autor” para a efetivação do artefato
artístico. A experiência que o
artista e o “espectador” (agora participante) vivenciam juntos com a obra de
arte seria um pressuposto na Arte Digital, o que está inserido nas definições e
atributos da media art, assim como a utilização das novas tecnologias.
Se a arte até certo momento privilegiou uma
postura quase que simplesmente contemplativa tanto do artista como do público,
os movimentos de busca por novas formas de manifestação e expressão a partir do
final do século XIX - mas principalmente no início do século XX - incitaram ou
promoveram criações que estivessem voltadas para a nossa capacidade reflexiva,
indagadora, cognitiva e participativa. O que, até certo ponto, possibilitou a
ampliação do sentido de arte, das produções artísticas que surgiram a partir de
então, especialmente em conexão com os avanços tecnológicos.
Acredito que o posicionamento de Lygia Clark,
em meados nos anos de 1960, sobre o papel do artista, considerando as
transformações dos movimentos e conceitos que ela vivenciara de forma teórica e
prática como artista, traduz em grande parte o que seria a Arte Digital, ou
seja, dar ao participante (que era até então somente observador) um papel
fundamental no objeto de arte, o objeto só passa a ser importante com o
envolvimento do participante, que será, então, um “espectador-autor”.
MACHADO, Arlindo. “Máquina e Imaginário”, in
Machado, Arlindo (1993). Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas
tecnológicas. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
A CRÍTICA DA TÉCNICA E DA MODERNIDADE EM HEIDEGGER E MCLUHAN
José
Carlos Vasconcelos e Sá
No
artigo “A Crítica da Técnica e da Modernidade em Heidegger e McLuhan”, José
Carlos Vasconcelos e Sá faz uma análise das teorias de Haidegger e McLuchan
acerca da modernidade e da instrumentalidade da técnica, especialmente
envolvendo a comunicação mediada pelas tecnologias. Trata-se de teorias críticas
apresentadas por dois autores de grande notoriedade abrangendo os problemas
provenientes de uma concepção e de uma utilização equivocadas dos aspectos
envolvendo as tecnologias na modernidade.
“A
experiência da modernidade é inseparável do esforço para reconceptualizar a
lógica de mediação das relações entre os seres humanos e a natureza e entre a
natureza e os objectos que os seres humanos produzem. (...)o. A procura de
figuras da mediação é, assim, sinônimo da procura de um caminho, de uma orientação
que permita estruturar e estabilizar visões do mundo organizadoras da experiência.”
(p. 124)
“Para
alguns, as ‘máquinas de comunicar’ seriam um mero suporte da interacção,
constituindo um conjunto de instrumentos que não se distinguiriam das utensilagens
pré-modernas. (...) O postulado desta tese é a ideia de
que a mediação
constitui ainda um
sector bem definido entre sujeitos
mediados por tecnologias.
Por outro lado,
é neste mesmo pressuposto que se
baseia a opinião, amplamente difundida, de que a mediação é equivalente à
linguagem.” (p. 125)
“No
entanto, a mediação pela palavra - que emerge, agora, como uma palavra
‘razoável’, dialogante, integrada numa ‘lógica do preferível’, geradora de
consensos - obscurece uma outra realidade que marca decisivamente as sociedades
tardo-modernas: a questão da tecnologia.” (p. 125)
O
autor argumenta que a tecnologia é frequentemente concebida como neutra e como passível
de controle pelo sujeito. No entanto alerta para o fato se tratar de uma
tecnologização da comunicação, que nos escapa ao controle e impõe novas formas
de mediação, num processo de “maquinação do sujeito”. Essa falta de
entendimento, que seria inevitavelmente uma forma de instrumentalidade da
técnica, pode resultar na incapacidade de exploração de possibilidades.
HEIDEGGER:
‘A ESSÊNCIA DA TÉCNICA NÃO TEM ABSOLUTAMENTE NADA DE TÉCNICO’
De
acordo com José Sá, Heidegger é um dos principais pensadores do século XX que insistiu
na importância da técnica para a compreensão da modernidade, e que sua
formulação mais completa se encontra no texto de 1954 intitulado ‘A Questão da
Técnica’ (Heidegger 1958: 9-48).
“A
sua tese essencial é a de que a metafísica levou ao esquecimento do Ser e,
correlativamente, que a metafísica realizada
é a modernidade.
A interrogação da
tecnologia em Heidegger provém,
assim e de forma intrínseca, da crítica da modernidade, a partir do ponto de
vista ontológico.” (p. 126)
“A
ênfase da crítica heideggeriana é a recusa da visão instrumental da tecnologia,
isto é, a tecnologia como um meio neutral de que se serviriam os seres humanos
para transformarem o mundo - o que implica uma crítica paralela de uma visão do
mundo como uma espécie de matéria prima do trabalho que age sobre ele com os
seus instrumentos, transformando-o.” (p. 126)
Para
Heidegger, segundo José Sá, a técnica deve ser concebida como uma forma de aletheia,
de verdade. “A essência da tecnologia moderna deve ser percebida como um
processo de des-ocultação da natureza com um carácter especial de provocação relativamente a ela.” (p.
126)
Heidegger
estabelece dois tipos de tecnologia:
1)
“A tecnologia anterior à Revolução Industrial, profundamente envolvida com a
natureza e servindo-se da natureza, mas essencialmente dependendo dela, no
sentido de que da natureza só transfere força e movimento” (p. 126-127). Heidegger
cita como exemplo os moinhos de vento como um tipo de tecnologia que envolve e
coopera com a natureza.
2)
“Em contraste marcante com o modelo tecnológico anterior, surge, com a
Revolução Industrial, uma prática e concepção tecnológica substancialmente
diferente. (...) A tecnologia moderna, regida por processos que se relacionam
com a descoberta, transformação, acumulação e distribuição, constitui, assim,
um modo de desocultamento substancialmente diferente daquele dominante nas
tecnologias pré-industriais” (p. 127). O exemplo desta vez é a central térmica
movida a carvão, que ao contrário do modelo anterior, extrai energias físicas
básicas e imediatamente as acumula em abstrato, de forma não sensível. Neste
caso específico, de forma distinta à exploração da natureza, a energia
acumulada é extraída em forma de carvão, que é transformada em eletricidade,
que pode ser rearmazenada e preparada para ser distribuída e usada segundo a
vontade humana. Heidegger ainda apresenta uma crítica da estética, que para ele
é inseparável da crítica da técnica, sendo a arte uma forma de aletheia também.
“O exemplo que fornece é o da central eléctrica que não se harmoniza nem
complementa a paisagem, perdendo, assim, a característica que aproximava os
objectos tecnológicos ‘antigos’ das obras de arte.” (p. 127)
A
“moderna tecnologia”, nesse entendimento de Heidegger, gera um mundo de objetos
sem valor em si, a não ser pelo uso que se lhes possa dar, o que ele chama de bestand. O que resulta em uma distinção
em relação ao processo técnico tradicional, que fabricava objetos únicos.
O
autônomo relativamente ao humano, denominado de Gestell, a pré-condição transcendental da tecnologia, é a concepção
de Heidegger da essência da tecnologia. Seria a “dimensão da tecnologia moderna
que ordena ou rege o modo particular deste desocultamento” (p. 127).
“Esta
disposição é entendida como uma estrutura cognitiva impessoal ou uma vontade
impessoal que não só provoca o mundo, mas, também e essencialmente, incita os
seres humanos, de maneira sistemática, precisa e constante, a provocar o mundo.
A acção desta vontade impessoal desoculta sempre, da mesma forma, a natureza”
(p. 128).
Disso
resulta a visão forte de Heidegger entre tecnologia e Ser: “o desaparecimento
do desocultamento em si acarreta, juntamente, o desaparecimento daquele no qual
a verdade acontece, isto é, o próprio Ser. O processo de desocultamento da
tecnologia é o movimento que leva a ‘fechar’ a natureza no mesmo e,
simultaneamente, ao iludir a verdade das coisas, obrigar o Ser à sua
não-revelação” (p. 128).
Heidegger
procura demonstrar o equívoco da filosofia ocidental em considerar a técnica
como algo neutro e passível de controle.
No
entanto, como alerta José Sá, “... algumas reservas têm vindo a ser levantadas a
esta análise, dizendo respeito, nomeadamente, à exclusividade da visão
ontológica em detrimento da dimensão antropológica. Por exemplo, para Dominique
Bourg (1999), o menosprezo das realidades empíricas e sociais - que considera patente
na análise heideggeriana - tem consequências
marcantes, em particular consequências políticas.” (p; 128).
Mas
Heidegger mantêm-se atual no cenário analítico contemporâneo em relação à
técnica e à cultura, em que “a técnica não pode ser simplesmente apreendida do ponto
de vista do controle e da instrumentalidade” (p. 129).
McLUHAN:
‘O MEIO É A MENSAGEM’
Em
Marshall McLuhan, a crítica da técnica e da modernidade parte da análise dos mass media e das relações destes com as
mensagens que veiculam.
“A
proposição fundamental do pensamento teórico de McLuhan é que os media
sobredeterminam a palavra e o seu sentido. Esta é a tese por detrás da
formulação, hoje proverbial, ‘The media is the message’, que se tornou um lugar
comum interpretativo da cultura de massas” (p.129). Mas para José Sá a teoria
de McLuhan merece novos olhares críticos.
O
autor destaca que existem diferenças entre a teoria de McLuhan e a de Heidegger,
onde o primeiro teve a influência dos estudos literários e da teoria da comunicação.
MaLuhan desenvolveu estudos sobre Chesterton, e através dele que “... se envolve
na análise crítica do movimento moderno representado por Joyce, Pound, Elliot,
entre outros, com os quais partilha a mesma visão do mundo que podemos
sintetizar como sendo inerentemente crítica em relação ao positivismo e ao
cientificismo dominantes, posição que vai determinar a sua recusa da ideia de
progresso exclusivamente orientada pelo desenvolvimento técnico” (p. 130).
Porém,
como adverte José Sá, da mesma forma que a técnica é recriminada, também é “objeto”
de fascínio, é vista como um instrumento que pode dignificar a existência
humana, o que resulta em uma relação ambígua entre técnica e mística, progresso
e sentimento. “... assim, na primeira fase da carreira intelectual de McLuhuan,
uma nítida posição crítica em relação à tecnologia e à ciência que o século XX,
pelo menos na primeira metade, veio a desenvolver (...) McLuhan pertence àquela
constelação de pensadores modernos que mantêm relativamente à tecnologia uma
relação de fascínio ambíguo que nunca permite um distanciamento definitivo.”
(p. 130).
A
partir de uma análise sistemática de Allan Poe, “... McLuhan acaba por repudiar
as atitudes simplificadas de indignação ou de recusa, em favor da vigilância
produtiva face à técnica” (p. 131).
“Esta
viragem crítica está bem patente, na fase seguinte, num dos seus primeiros estudos
sobre a comunicação de massas – The Mechanical Bride. É a partir deste texto
que McLuhan passa a reconhecer que a cultura de massa está não apenas cheia de
potencialidades de destruição, mas também de promessas de fecundos desenvolvimentos” (p. 131)
McLuhan
desenvolve estudos sobre os anúncios de publicidades fazendo considerações em
relação à arte de vanguarda.
“...a
reapreciação da cultura pop levou McLuhan a elaborar um conjunto de teses,
segundo as quais os processos comunicacionais estariam estreitamente ligados às
tecnologias dominantes em cada época” (p. 132). Com influência direta,
especialmente, de Harold Innis, que era economista canadiano responsável pela tese
segundo a qual a principal força de transformação social poderia ser encontrada
nas várias revoluções que haviam ocorrido nas tecnologias e, especialmente, nas
tecnologias da comunicação.
A
partir dessa perspectiva, McLuhan formula a hipótese que iria desenvolver na
sua investigação sobre os media. “Os meios de comunicação afectam a experiência
e, através dela, toda a cultura, mais profundamente que as mensagens” (p. 132).
“McLuhan
articulou uma série de questões que constituem os aspectos centrais da análise
que levou a cabo sobre os media, a saber: de que maneira os meios de comunicação
influenciam as mensagens? Que aspectos do humano são afectados pelos meios de
comunicação? Que relação existe entre os media e o homem? Por que razão
determinadas épocas legitimam certos meios e não outros?” (p. 132)
As
respostas para essas perguntas fizeram de McLuhan um autor incontornável da cultura
da segunda metade do século XX, articulando de modo original, comunicação, mediação,
tecnologia e cultura. O que fez “... corresponder a cada época histórica um meio
cultural de comunicação específico, distinguindo uma série de categorias, das
quais podem ser destacadas três dimensões ou conjuntos históricos, técnicos e
comunicacionais” (p. 132):
1)
“A Dicotomia Oral/Escrito” – para McLuhan, o encantamento imaginativo
proveniente das trocas orais foi quebrado com a invenção da escrita, pois o canal
da audição é mais rico que o da visão.
2)
“O Surgimento dos Tipos Móveis – A Imprensa” – com a imprensa mecanizada, de
acordo com McLuhan, o empobrecimento provocado pela escrita aumentou. A
orquestração sensitiva da tradição oral se perde ao ser substituída pela
linearidade das letras impressas e a regularidade da página. “... o sujeito
fechou o seu espírito a possibilidades mais amplas de expressão imaginativa.
(...) o sujeito moderno condiciona-se a aceitar, inadvertidamente, a tirania
desumanizadora da vida mecânica” (p. 133).
3)
“A Era Electrónica” – numa visão otimista, McLuhan concebe a era electrónica
como algo que permite aos seres humanos pensar em conjunto, “através de um meio
tecnológico constituído à sua imagem e semelhança. A rede electrónica voltou, desta
forma, a tribalizar o homem moderno, dominou as influências desintegradoras da
imprensa e recolocou o humano na dimensão da ‘aldeia global’” (p. 134).
No
entanto, “McLuhan foi atacado severamente por muitos, insistindo os críticos na
sua unilateralidade, ingenuidade ou excessiva simplificação” (p. 134).
“...
a questão importante que interessa compreender é que a mediação se tornou uma
dimensão crucial na cultura tardo-moderna da comunicação e da informação,
abrindo um campo vasto, acerca do qual McLuhan foi, sob alguns aspectos pelo
menos, o pioneiro teórico. Pesou, neste esforço, a ideia fundamental segundo a
qual ‘o meio é a mensagem’ e que, bem vistas as coisas, vai à revelia de tudo o
que é normalmente aceite na cultura moderna” (p. 134).
Dessa
forma, a crítica da técnica e da modernidade, em McLuhan, implica que o
conteúdo da mensagem é irremediavelmente modelado pelo meio pelo qual a
mensagem é difundida.
Para
McLuhan, a mediação é fundamental na cultura moderna. “Se vivemos apenas no
‘meio’, a nostalgia das origens e os projectos finais têm de ser
reinterpretados. Não estão nem aquém, nem além do espaço da mediação, sendo sim
uma figuração estratégica dela própria” (p 134).
José
Sá então cita Régis Debray (1991, 1995) como uma dos principais autores contemporâneos
envolvidos com as questões da mediação, que procura delimitar uma teoria da “mediologia”.
Nos chama a atenção para o fato de não confundir a mediação com os media,
enquanto máquinas de comunicar. Nesse sentido, é necessário analisar como uma
ideia se torna força material pelas mediações, os ‘media’ como um prolongamento
“particular, tardio e intrusivo”.
“Para
Debray, ela entra mesmo em catástrofe com o crescente peso da imagem, na qual
se encadeia directamente o desejo, abolindo toda a distância. Esta visão é
abundantemente ilustrada pela imagem do ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque,
difundidas até à exaustão pelas cadeias de televisão de todo o mundo. Como diz
Debray (1995: 192): ‘O ícone é um objecto amável e dinamizante, a feminitude da
imagem e a guerra das imagens devem ser consideradas – ou se perdem – juntas’”
(p. 135).
“A
articulação entre as práticas críticas de Heidegger e McLuhan pode ser
enfatizada, em particular, nesta necessidade de libertar a mediação das formas
tecnológicas tradicionais que, tal como as formas clássicas de análise crítica,
já entraram em crise. A resposta a dar à cultura passa pelo reconhecimento,
como disse, em algum lugar, G. Agamben, de que tudo se joga ‘em exibir uma
medialidade, em tornar visível um meio como tal’, o que passa por ir além da instrumentalidade
e da ilusão de controle” (p. 136).
“A
reunião dos pensamentos de Martin Heidegger e Marshall McLuhan nesta análise é,
assim, destinada a tornar visíveis as correlações analíticas entre a afirmação
da autonomia da técnica sobre a criação (Heidegger) e da autonomia do meio
sobre a mensagem (McLuhan). Ambas as posições são investidas numa crítica da
visão predominante da instrumentalidade ou da natureza puramente instrumental da técnica. Estas questões
são orientadas para o modo como a superação da visão instrumentalista afecta a relação
entre mediação, comunicação e cultura. Se esta realidade já era clara na época dos
mass media e de McLuhan, é hoje
incontornável, na disseminação das culturas virtuais e do ciberespaço”
(p. 137).
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